quinta-feira, 10 de abril de 2008

Velado

Há algo a ti
há algo que não te direi
que não será falado
talvez guarde, esconda um pouco
algo pra ti
será teu sem que o saiba
será teu, da invisibilidade lasciva
com que fabrico sua caixa
um doce presente ignorado

há algo pra ti que não disse
há algo que não canso de dizer
te digo quando te olho
te grito quando te toco
suavemente te quase digo
sutilmente te previno...
não importa
é melhor talvez
teu pingente de brilhantes
transparentes
ignorados

Rato

Confunde na noite seu corpo
pedaço sombra que lhe toma parte
restiço do seu pouco espaço
trazendo o asco de sua raça
estigma, peste noturna
nos dias que lhe resta de forma
rato morto, gabiru
não lhe cabe o odor de sangue
não lhe cabe a atenção dos carros
apenas lhe cabe o que lhe há de fúnebre
o preto do piche da rua, velório
e o cheiro podre que trará os dias
terá em morte o que teve em vida
asco...
irão passar crentes, anjos
terão asco e irão embora
fugindo do nojo que lhe acentua a morte

farei de ti, querido rato, um mártir casual
de tua inanidade, de teu cadáver repulsivo
signo divino
e quando de mim se apagar tua lembrança
em mim estará vivo, estiveste em minha história
em tua morte todo romance que pode ter um rato...

IX - O fotógrafo

Guardo em mim o vão de todas as coisas. A tranca da porta, o trinco da janela, um olho de vidro... a fragilidade silenciosa que emudece oca atrás da camada da superfície (uma casca de ovo que forma a imagem das coisas).

Guardo em mim todas as coisas. O fluxo de tinta em minha pele, restos mortos de algodão, um anel (dois na verdade).Guardo, são coisas vãs, inúteis... sobretudo ausência. As coloco longe da poeira e da ferrugem. A imagem, as coisas, quando o mundo inteiro se deteriorar as terei guardadas, vazias, inutilizadas, imersas na sua expressão plena de humanidade. Quando o mundo se deteriorar... sim, não falta muito tempo. Eu terei meu museu de almas... terei, também, a certeza de que fiquei louco, vou achar a sanidade exposta, sua imagem, presente em sua ausência.

Guardo de todas as coisas o vão, faço em mim a sua casa, guardo a sua ausência até a noite chegar e o tempo parar, então estarei morto. Liberto do que se diz corpo estarei presente em todo lugar, presente na ausência com que construí minha casa.

VIII - Terminal

Os meus sonhos se dissolvem
consumidos, reduzidos a pó
barro das tintas que pintam minha face
grafite das linhas da madrugada
sombra do meio fio, navalha cega
estão se quebrando, sinto...
dentro de meus olhos, um pouco mais fundo
meus devaneios, meus mundos de cem gramas
em contrabalança
um mundo de toneladas
pesado demais pra mim
tua ausência
pesada demais
insustentável...
ainda lembro como ela era boa no primeiro inverno
ainda lembro do frio que fazia lá
como era doce a falta de ti
falta que trazia horas surreais
milhares de fatos não ocorridos...
hoje esqueço meu rosto
pouco a pouco
durmo...