sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

tarde e cigarros na esquina

me deprime o cheiro do capim cortado à máquina
me deprime toda essa morte, toda essa merda e essa porcaria e essas máquinas
e o cheiro, o cheiro me invade como um animal
começo a correr em campos em meia luz da manhã nascendo
quadrúpede, sem saber da vida ou de mim ou do que virá
onde ir? onde ir? que fazer? que ser?
e o cheiro do capim cortado a galope
e toda essa morte, essa merda, essa vida...
com a ânsia latente e o desejo contido
e o desejo contido violentamente por uma besta, um golpe que resvala no sangue e se entranha nos intestinos abrindo talhos na alma pra que se sinta um corpo...
e essa ânsia e essa vontade e esse impulso de não ser, não ser um corpo, não ser um tempo, não ser a vida e a decrepitude da vida e fugir, fugir prum campo em meia luz da manhã, longe de toda essa morte, essa merda, essa porcaria...
num gozo cheio de cheiros doces e macios que cai à morte e exaure os músculos e mói a carne e os ossos e as entranhas deixando jogado imóvel e dilacerado o corpo pra que a alma e o amor e o sexo possam evaporar sublimes e encontrar um ao outro mortos e além da vida...

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

quarto

tentei alcançar a lua e a comi
um estranho enevoado a tirou de mim
olhei-o nos olhos escuros
tive medo de todo esse mau instinto, essa ingenuidade medíocre que me corre nas veias...
olhei-a, os braços estendidos ao céu acima das estrelas...
caí ao chão
sua imagem branca de brilho chuvoso borrava meus olhos e apagou tudo que eu tinha
ah... que prazer em desmanchar como uma aquarela...
e o brilho branco quase cego que me olhava e me transformava em ninguém, um indigente amorfo
a noite como um betume que tingia tudo de uma madeira triste
ela envolta no lençol vermelho que eu fiz
caí no chão
um gosto de gasolina e borracha preta
e esse estranho borrado que me persegue

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

dos rios

 a vida tanto se modifica e se esvai como a alma triste dos cadernos empoeirados
sua morte viva estampada em festa ou fábulas do garcia
olho o amarelado das folhas do que seria ontem, toda melancolia de um dia que passou como chuva numa tarde calada...
essa vida morta, todo sentir puro, imagino seu vazio, futuro, que aterrador, que monstruoso...
a tristeza das coisas ínfimas, das borboletas e efêmeras... da delicadeza arrasada sua ingenuidade um segundo antes...
e o presente, esse uma página amarelada vivendo sua alvura...
se perde, tudo se perde em meio ao vazio sem fim, logo faz parte dele...
como delicadeza triste das coisas ínfimas... as borboletas e efêmeras...
tudo isso, toda vida, algo tão ingênuo e ínfimo que faz querer anular, ir ao teto, tocar o céu em comoção depois cair cair cair... como uma formiga com vento de chuva...
a comoção é único momento que realidade se torna todo... comoção me preserva a vida...
por isso, apenas, vivo, me nego não viver... é tão maior, tão maior que o vazio... como comprar pêssegos insones ao amanhecer com lembranças de noite, e rosado manchado de luz vermelha macio de lençóis... cigarros desolados de navalha e saudades...
viver é uma morte maior...