segunda-feira, 27 de outubro de 2008

A triste indiferença do esquecimento (Parte III)

No escuro da noite escuto os estalos
Dos sonhos manchados, esfacelados em mil partes
Há vontade de se contrapor ao eu imperante
Escuto os estalos de pés que se movem
No silêncio da noite cuidadosamente
E acima dos pés: planaltos, planícies...
contextualizados de forma imaginativa
Querendo anciosamente um significado
para estar acordado tão tarde da noite
A procura de sombras, contornos, marcas
Os móveis estalam, a casa estala
Estão crescendo no âmbito sombrio
No escuro não podem enxergar com precisão
Não se pode juntar partes, consertar sonhos,
limpar as manchas.
Volto para a cama na espera de novo sonho
Esqueço-me do anterior

domingo, 26 de outubro de 2008

Mede in China

A luz refletia nas águas
Era a lua artificial em águas artificiais
Eram meus olhos falsos
Falsas cantigas com letras de mentira
A noite era uma farsa.
Para casa caminhei em procissão
Numa reza sem sentido.
A lua de refletor derretia o plástico
Quando dei por mim a máscara derretia
Meus olhos falsos, meus sentimentos falsos
A mudez do outro, mudez do escuro
Nada mais,
mas até o nada era triste farsa
Até o escuro. O escuro não existia
Era a sede do tempo, e esse eu não sabia
Derreto em prantos de plástico por fim
Afogo-me no calor da mentira
Minto para o tempo,
Esse que já nem sei,
Para o tempo que não existe.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Cassandra

Seria essa a maldição
Prever o que não mudará
Viver a morte futura
Levando vermes na sombra
nos pés talham o encontro
Furos, dutos, vasos
Canais hemorrágicos
Memória das chamas
Da cidade dos cavalos

Seria, foi, é
Nascida Cassandra
Das árvores que lhe comeram as cinzas
Dos homens que lhe comeram os frutos
Fecunda no ventre dos bárbaros
Novos descendentes da cidade dos cavalos
Com a memória das chamas
Com os olhos miseráveis
Com os vermes que talham na carne
Um caminho que não mudará

Viva e morta, Cassandra

em 02/08/08

(Sinceros agradecimentos a Mayra Meira por ter me ajudado a obter um acaso fundamental, não pra escrever... mas pra me lembrar em boa hora)