quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Bárbaro

Anteriormente rejeitado, morto de abandono em plena juventude, exumado a fins de lhe dar uma migalha, como uma medalha a um morto por ter morrido ou a um aleijado por ter perdido a perna. Originalmente, integrante de "Crônicas do Asilo",  e não havia mesmo mais nada que pudesse integrar. Quem sabe não volta?

serei foto
lumiado como imagem terei força, serei bárbaro
não-ingerido, não-degradado, não-expelido,
te mostre aos olhos, te fale aos ouvidos
ultrapasse os efeitos sonoros e fogos...
atinja tua mente...
um dialogo, seu inicio.
o principio do contato do teu anima com o meu...
aquilo que nos dá vida

talvez hoje não gostes mais do circo,
talvez hoje te encante o por do sol...
e quando enfim de tua mente fluírem diálogos,
serás bárbaro,
estrangeiro em uma terra de mensageiros mudos e espectadores adormecidos...

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Ascensão à luz

o homem se reduz em sua casa até o ponto em que se domestica
se reduz até encolher numa pequenez as coisas no caber de dizer de seu
reduz a abstração a pequenos objetos
então cessa de viver, por não caber a vida à vida que entalhou delicadamente
o homem em sua natureza é como um lobo... como a abstração de um lobo...
como a abstração de qualquer animal ou coisa
um vaguear em sentidos, se quedar osmótico na estepe, se quedar num perceber absolutamente abstrato de um ciclo de eletrochoques transcendentes as dimensões da vista, na infinitude do que não se cabe a contagem e, por isso, não se faz em extensão inimaginável
o homem domestica a abstração à concretude parametizável
precisam caber como fichas nos seus sulcos entalhados, precisam ser entalhadas, também, as coisas, forjadas em fichas, depositadas como hóstias na boca dos sulcos, rangendo e tintilando, iniciando o mecanismo dos brinquedos, dos refrigerantes
mas o homem em sua natureza é como o lobo, como a explosão shamãnica de adentrar um lobo pelos olhos
incapaz de se conter na pequenez de caber dizer um si
incompreensível à extensão de objetos, de pequenos objetos
incomprimível...

e a exaltação se fez como brilhasse uma luz, e reluziu na insanidade de alguns, dos seus, como divino, o lumiar incandescido de uma face transfigurada em restos, desvencilhada do que aprisionava desde os dedos dos pés e o ventre e agora voa ou talvez apenas finda.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

e tu te ergueu como a dama de copas naquele dia enevoado
e havia um lago dentro de ti
enquanto pequenos vales se talhavam naquele dia enevoado
e tu derretendo pelo mundo verteu rios
pequenos capilares ainda sem vitórias régias
e o pedaço esvaziado
de lago que se verte embora

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

os botões se movem como pequenos besouros...
a chuva piano o ar...
evaporam pequenas comoções que já esqueci o rosto...
a chuva escala em pequenos apertos no meu peito...
retorna um vento frio...
como meu sangue fosse alvo... fosse neve...
como me confortasse um ar de casa...
que em criança me tremia...
e agora me aquece...

domingo, 10 de outubro de 2010

dos postes onde nada habita

vou pintar minhas paredes de azul
trazer uma noite azul esfumaçada ao meu quarto
manchar os dedos a cara impregnar de pingos
e então secar... e então pó a se dissolver no tempo
não pode me pintar não pode me por cores
minhas paredes ruínas onde ninguém habita onde não habito
minhas paredes o fantasma ucraniano onde não vagueio...
onde te encontra fauno? onde te pusesse de mim?
a erva começa a cheirar no campo? não sinto
que é esta estação?
vou pintar de azul, esfumaçado, onde habita ouriço
para que ele habite, para que habite novamente
e que venha o fauno e comece a cheirar à erva
vivo entre as ruínas escorrendo entre as ruínas
onde deus se faz aos infelizes os seus enganos
e ergue os muros de seus desejos e as necessidades de clausura
e sufocam clausura
paredes de azul... esfumaçado como não fosse novo como fosse desabado, mas não vai ser...
quero me esgueirar na ferrugem nos tijolos cobertos de lodo na erva que começa a cheirar
com a alegria de sentir o ser
com a alegria de voltar
com o ar que invade e arde doce
stalker

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Caleidoscópio

sonhei um orfanato
era criança
todos eram os meus
nenhum era
noite molhada de chuva em dia de cometa
ultimo dia da era, derretendo, se tornando macio e lamacento
uma semente vermelha cintilante que virá
a orfandade uma prisão... dividíamos cigarros, as crianças, tudo era meu, das crianças, nada era
meu corpo se perdia na insignificância de não ter o que perder
e meu corpo se fazia livre por comungar da miséria de tudo que havia
uma irmã se tinha ido embora numa tristeza de outono
invadimos seu quarto, escondido atrás das voltas da escada em caracol
uma luneta de copos de vidro e uma janela a se olhar a lua
segredo que calava em uma criança, na irmã, em ninguém
e todas as coisas místicas que se escondiam em cinzar de incenso
e o cometa
de encontro a noite derretida como viesse copular
como tivesse passado por ali o Caio, que tivesse ido embora numa tarde de outono e esquecido seu tarot, arcanos maiores do Crowley, dentro de uma gaveta, com pequenas coisas ao redor
realizei pouco antes de acordar, aquele quarto era meu, e o cometa e a chuva, a irmã de outono, as cinzas do Caio, a criança, a miséria virtuosa
senti por um momento... e te encontrei por lá
em qualquer coisa que faça parte de um eu que existe
onde me encontro
ou onde deliro

terça-feira, 17 de agosto de 2010

bichos da seda

de um devaneio noturno o teto desaba em chuva
algum ser que me povoa aflora em pequenas erupções
“pelos chifres deve ser um fauno”, diz algum ser
silêncio... digo àlgum ser, em pequenas erupções
“começa cheirar a musgo”, diz algum ser
me viro... digo àlgum ser, tomando atenção ao cheiro da sala
o teto desaba em chuva, um devaneio toca os pingos em melodias fantásticas
é noite do meu amor... assim como foi o dia e será de madrugada
é noite da estrela que me levou, lhe ofereço meu sangue frio e meu corpo inerte
“ele chegou, anda quase cego”, diz algum ser, como uma mácula às minhas costas
vejo sua face e as lagartas que lhe comem o tronco dependuradas em casulos
os pingos tocam os fios de seda em acordes azuis, a cor da sala se dissolve no chão
vejo sua face e o que ela me revela, em pequenas erupções
é noite, uma renda vermelha presa a liga, meu gozo escorre misturado a sons doces em coxas brancas, insípido... some
me viro, tomando atenção ao cheiro da sala, um gato que vomita as cadeiras da mesa de jantar
meu corpo inala um gosto podre e azedo
silêncio... e os olhos vermelhos de insônia, quase cegos, não me reconheço
enquanto a chuva ascende à cal do teto
cristalizando em manchas de mofo

sábado, 14 de agosto de 2010

amaro

olho no espelho e vejo meus olhos
e em meus olhos é a morte que vejo
olhei a árvore na rua, na praça
uma imagem turva de mangueira
uma imagem nua de crueza enevoada
é a vida das árvores e dos gatos
ela exala à noite, de madrugada
aqui tudo derrete com o tempo de madrugada
a suculenta nasce discretamente e as imagens morrem
as flores anunciam o fim do ano das castanhas
o óleo de queimar a pele, de por nódoas nos dedos
de manchar de árvore
se é preciso ser árvore pra se ser um gato enevoado
e a vida de madrugada que molha o chão
e qualquer coisa que for água é imagem
olhei nos teus olhos e vi o sol atrás de ti no espelho
e demasiada luz a produzir imagens
falaram de um homem que queimava castanhas
o fogo incendiou seu corpo enodoado
chorou como um cajueiro
um sagüi o tirou da estrada assim que esteve frio
como fosse um coquinho

terça-feira, 29 de junho de 2010

amarrei o cachecol apertado no pescoço... contundia a minha pele, gritava algo audível, rouco, tudo é afônico quando se tem espasmos... não percebi que me matava... não queria que me matasse... mas era tudo afônico... tomei cuidado para não deixar restos que viessem a apodrecer... tudo deve se decompor em pequenos grãos, sem apodrecer, sem gritar, afônico, contundido... aquele outro se aproveita da minha fraqueza, da minha miséria... aquele outro... me emputece... escolheu me irritar, me debati, dei-lhe socos... choques que quebram o silêncio aos poucos... escolheu algo macio... e me matei com o cachecol... deixando o sangue fluir... e me impedir de me decompor... em pequenos grãos... como todas as outras vezes...
só a enxaqueca me lembra de meus atos... ela passa, eu passo, tudo se vai a dormir... aquele outro, só me deixa ser dormindo... durmo... me esqueço... faz frio, não sinto meus dedos... teatro... não vão me ver porque durmo... que se fodam...
ele sabe que o sono vai me imergir no meu amor...

sexta-feira, 25 de junho de 2010

de uma máquina, uma pedra e poças d’água

corta as laranjas com a faca que apontou grafite
pequenos diamantes, pequenos brilhos
calor de sol, não, frio
borra de café
corta os dedos com a faca que apontou grafite
perfume, velas acesas
calor de sol, não, café, não, cristais de areia
risca as paredes com a faca que cortou grafite, não
os dedos, não, o sol, risca o sol com pequenos brilhos frios, não
mortos, como borra de café, não, risca as veias com grafite, não, que a faca cortou,
os nós, a ressaca, não, foram comprimidos, violentados na parede, na superfície, na película de sua língua, dois pardais que haviam se formado da imbecilidade da idéia e lhe pousaram na face, escorrendo como lagrimas de um cuspe do Rosellini...
a criatura encaracolada, erótica, exalante, absolutamente ausente... que lhe cheirava a sexo como um anjo que comesse pão preto... que lhe molhava orgástica a excitação... só trazia o pensamento dos prédios, do que não existe, impotência em lamber sem comos...
ascendia 15 andares, dava mais um salto, ao paraíso nada que valesse mais a pena que seu cigarro, caía como uma pedra, uma fruta ou merda de pássaro
não
cortava laranjas com a faca que apontou grafite, riscava os gomos com resto de borra, sentia como cropófago comendo merda, sujeira, mas era só um idiota. se excitava com o cheiro dos entes encaracolados, molhados, brilhantes, que desfilavam no calor do sol...
não

estrada do engenho

a idéia permeou-me a mente
com todos os ruídos, com toda a música
com todas as pedras que balançam por sob as rodas
tu, que era nada, poesia
tu, era nada, era bela, qual em caracóis e rastros doces...
te arrastava, te jogava, te erguia, fluida, inconsciente
tu era imagem, tu que não existe...
teu nome, pouco me cabe... mas me cabe o dia
não tu, imagem, não tu, cheiro doce a gozo que subverte o meu domínio
mas idéia, tu que é todo abstrato, que não existe, tu idéia...
que me subverte da fala
que minha boca não é por si a fala, que é sentir, lamber, comer... não a ti... tu que não existe, que existisse não seria nada... tu é imagem, película, poesia... e vejo...
por todas as ruas das pedras que balançam...
o raciocínio faz do ser um monstro

segunda-feira, 21 de junho de 2010

cigarros de palha cabem à refumaça
melhor refumar cotocos de fumo que ópio
destitui a dignidade de se intoxicar
e restitui a mediocridade de mimetizar o Manoel

sexta-feira, 14 de maio de 2010

aurora

manhã tardia
despertar de uma madrugada embaçada
virei a névoa do vidro, algum dia, não esse
a névoa solta, do vidro, fora do vidro, embaçando as pedras e postes, tudo fica singelo na madrugada... baratas não giram cataventos no silêncio de carros insones... poeira do interior...
amanhece ao meio dia, eu, que perdi o sino das três, entardeci dormente e meu corpo se fez por si
fluorescente por si... fluorescer é uma passagem sem dia nem noite, existe, não acaba... de repente acaba...
fluorescer não passa...

despertei de uma tarde
o sol me dissipou, névoa fugida do dia, algum dia, não esse
a madrugada presente no vácuo que ficou de sua ausência
eu onde ela não esta, onde não estava, onde não estive, onde não passo...
onde nenhum gozo invadiu a minha alma
eu um nada manchado de sol
e as folhas secas retorcidas no chão algum dia...

quarta-feira, 28 de abril de 2010

terra molhada no quintal

o frio é uma realidade das plantas e dos lagartos
os homens, eles mentem o frio
sobretudo os homens
que mentem tudo
neles é insuportável
não há das plantas e dos lagartos morte de frio
simplesmente cessam
param aos poucos e cessam
qualquer espasmo processo de cessar
dos homens, há de se chegar a verme
ao verme o parasitar a vida
em sua mais solene involução, o fim das solenidades, da morte...
ao verme a verdade, o comer os seus
que cessaram, que lhes dá como presente virar merda, que o único propósito de morrer é mentir a vida...
aos homens a mentira, o sentimento do mais sagrado
aos poetas a verminose, a hipocrisia e a arte...
os homens, eles mentem a merda

sexta-feira, 16 de abril de 2010

som de grilos e máquinas, quinta-feira

das urtigas nasce um sentimento pleno
o desprezo, o desprezível, a praga
a doce praga
nojenta
inocentemente daninha...
das urtigas que não cresçam em nenhum jardim
que não maculem a beleza de tubo-de-ensaio
a beleza construída com toda a coerência possível do capital ou do não-capital
às urtigas o esgoto ou os herbicidas...
a doce praga
inocentemente daninha
o sentimento pleno, desprezível
o ódio é a sua natureza
que cresce pelas paredes se alimentando do sangue dos tijolos...
eu, que não as sei de nada, me aproprio... a poesia é um sentimento hipócrita...
o café um sentimento miserável...

segunda-feira, 29 de março de 2010

demônio do leite azedo

perguntei ao meu criado esta tarde que sentia... este tolo insolente que suspende meu corpo em um andor... “sinto-me mal com demasiada freqüência para sentir-me bem” me retruca “se o agrada, sinto-me mal definitivamente”... oras mas que manifestação a me por em estado de nervos... chamei-o bacilo! isto que ele é! um bacilo insolente... em outra hora lhe pergunto... que seria a causa essa de sua agonia? “pois sinto dores nas costas... e minha bile se põe como um inferno a cada meia hora” me retruca “o senhor, pois, tem estado a se revirar durante as caminhadas... deve ser o cheiro acre da cidade”... mas isso também a me por em estado de nervos... pois é um vadio! um Judas que tenta me subverter a dar-lhe folgas e regalias! Já não basta os subsídios que tem, a estada no chalé onde nem ele ou a família tem expensas além do que comem... age como um rato... de noite corre até a beira do pântano com seus fumos a cultivar um demônio nas narinas... e chora, cai como criança as margens do lodo imundo, já o vi, penso que pragueja com seu pranto a tudo, deve ser ateu inclusive... o pergunto no outro dia que fazia lá “são meus entes que me chamam” retruca “aqueles que me trouxeram ao mundo e outros desde seu esquecimento”... esse índio, esse criado que eu tenho... sua pele é suja como lama... parece branco, mas não me engana, há imundice metida nos seus pelos... esse criado... esse que eu tenho... é um algoz... letrado e escriba, vive a rabiscar quando não lhe repreendo... é odioso, vejo em seus olhos... é daqueles que nasceu junto com os bezerros e saiu de lá... ainda tem na memória como se mata um boi... vai me encontrar dormindo na cadeira de balanço e me matar enquanto durmo... fazer magia com meu sangue... meu criado... esse que eu tenho... ao fim do ano compro um carro a motor... mando matá-lo logo após em um domingo de missa... quando for curar sua lascívia... antes que me jogue numa vala... esse... esse que carrega meu andor... com seus olhos de perfídia...

sábado, 20 de março de 2010

tricô de poncho azul

gravei na minha pele um desenho que era teu
com talho de agulha e ferro quente me marquei de ti
no pulso, entre minhas linhas, acima, pelo braço e pelas mãos
acima, no pescoço, acima, nos dedos
nas pontas dos dedos entrando pelos ossos, entrando pelos nervos
e o ferro que me corre nas veias se formou em pedras na garganta nos olhos e estômago
cuspi e bebi sangue
gravei na parede um desenho que era teu
com pequenas linhas de dedos insone
o mofo e a borra do cinzeiro me fizeram as sombras
na imagem do teu choro que expia e cessa e esquece
na imagem do teu choro o meu a ferro forma pedras
cuspi e bebi a bile nauseada da minha ânsia que corria pelos olhos sem cessar nem esquecimentos
numa expiação que transborda e se mata em brasa fria
pra que não de todo morra e se erga
e se jogue novamente

hoje senti que tu se foi... o pensamento me enlouquece...

terça-feira, 9 de março de 2010

na noite vermelho e cinza

subir muito alto
subir, correr, transmutar em luz no infinito das estepes
cair, cair em si, cair delirante em si fora de si
enjôo e orgasmos
epiléptico de gozo em convulsão, convulsiona em enjôo, espasmo
da serpente farpada que me abraça e me fere os nervos
da serpente cruel e farpada que me sai das entranhas e arrasta meus dedos pela pele

ontem encontrei um pardal... ele me disse "vai-te quebrar as costas com o tempo"
sufoquei-o no estômago "antes disso um anjo de chumbo ascende aos céus com meus miolos"

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

tarde e cigarros na esquina

me deprime o cheiro do capim cortado à máquina
me deprime toda essa morte, toda essa merda e essa porcaria e essas máquinas
e o cheiro, o cheiro me invade como um animal
começo a correr em campos em meia luz da manhã nascendo
quadrúpede, sem saber da vida ou de mim ou do que virá
onde ir? onde ir? que fazer? que ser?
e o cheiro do capim cortado a galope
e toda essa morte, essa merda, essa vida...
com a ânsia latente e o desejo contido
e o desejo contido violentamente por uma besta, um golpe que resvala no sangue e se entranha nos intestinos abrindo talhos na alma pra que se sinta um corpo...
e essa ânsia e essa vontade e esse impulso de não ser, não ser um corpo, não ser um tempo, não ser a vida e a decrepitude da vida e fugir, fugir prum campo em meia luz da manhã, longe de toda essa morte, essa merda, essa porcaria...
num gozo cheio de cheiros doces e macios que cai à morte e exaure os músculos e mói a carne e os ossos e as entranhas deixando jogado imóvel e dilacerado o corpo pra que a alma e o amor e o sexo possam evaporar sublimes e encontrar um ao outro mortos e além da vida...

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

quarto

tentei alcançar a lua e a comi
um estranho enevoado a tirou de mim
olhei-o nos olhos escuros
tive medo de todo esse mau instinto, essa ingenuidade medíocre que me corre nas veias...
olhei-a, os braços estendidos ao céu acima das estrelas...
caí ao chão
sua imagem branca de brilho chuvoso borrava meus olhos e apagou tudo que eu tinha
ah... que prazer em desmanchar como uma aquarela...
e o brilho branco quase cego que me olhava e me transformava em ninguém, um indigente amorfo
a noite como um betume que tingia tudo de uma madeira triste
ela envolta no lençol vermelho que eu fiz
caí no chão
um gosto de gasolina e borracha preta
e esse estranho borrado que me persegue

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

dos rios

 a vida tanto se modifica e se esvai como a alma triste dos cadernos empoeirados
sua morte viva estampada em festa ou fábulas do garcia
olho o amarelado das folhas do que seria ontem, toda melancolia de um dia que passou como chuva numa tarde calada...
essa vida morta, todo sentir puro, imagino seu vazio, futuro, que aterrador, que monstruoso...
a tristeza das coisas ínfimas, das borboletas e efêmeras... da delicadeza arrasada sua ingenuidade um segundo antes...
e o presente, esse uma página amarelada vivendo sua alvura...
se perde, tudo se perde em meio ao vazio sem fim, logo faz parte dele...
como delicadeza triste das coisas ínfimas... as borboletas e efêmeras...
tudo isso, toda vida, algo tão ingênuo e ínfimo que faz querer anular, ir ao teto, tocar o céu em comoção depois cair cair cair... como uma formiga com vento de chuva...
a comoção é único momento que realidade se torna todo... comoção me preserva a vida...
por isso, apenas, vivo, me nego não viver... é tão maior, tão maior que o vazio... como comprar pêssegos insones ao amanhecer com lembranças de noite, e rosado manchado de luz vermelha macio de lençóis... cigarros desolados de navalha e saudades...
viver é uma morte maior...

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

"Mais dolorosa seria a tua ausência presente
Quão dolorosa é a perda prévia de alguém que
mais tarde perderia
(...)
Quão dolorosas são as conclusões."

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

dos pequenos jardins aprisionados

olhar a fora
me sinto num jardim
e um jardim atrás do jardim
e num campo infinito
com a simplicidade de sons mediterrâneos
olhar a fora
me sinto num jardim
e um jardim atrás do jardim
e num campo infinito
lampejo de banalidade e me encontro concreto
o muro vizinho
antes do jardim atrás do jardim
e o muro anterior e o próximo
lembro todos agora
e sua presença se ergue antes e entre todos os jardins
e as flores amassadas misturadas à rígida inércia exalam melancolia
muros se estendem como planos infinitos no caminho de cada ser...
e alcançam o céu

domingo, 3 de janeiro de 2010

Muitas histórias giram
em torno da memória
acorrentada
as lembranças de um passado.
Nem sempre aquilo lembrado
se passara na verdade
mas de verdade se vive
nos grilhões da mescla
da verdade com a imaginação
e a verdade vira fato.
E o fato vira imagem
vira influência,
Vira verdade.
Na verdade se transmite
mas de verdade ninguém vive
e a história vira
estória,
mais uma vez contada na
boca de um cantador.
Assim se engana aquele
que pensa escrever história,
pode estar escrevendo estórias,
daquelas que o povo contou.

Menina Barla